quinta-feira, 23 de novembro de 2023

traço_destraçado | 070

 poeira


Se eu fosse possível 

Falaria às pedras derrubadas escombros de gente entulhada

Silêncios imundos construtores da enxurrada silvos à molhada

Vermes putrefactos agitam bandeiras de todas as cores 

Trapos fantasiados esvoaçam em telas de odores 

Rolam choros abraços braços pedaços 

Tropeçar nos esboços sonhos empedrados

Molduras de olhares suspensas nos rostos cavados 

Mamas secas aquecem o grito abafado cansados

Estufas de desempoeirados desenham nas pedras

O traço cavado na secura das mãos que gemem

Chovem mordaças horas nas vidraças 

Grito na guerra que me enterra

Grito no sabor a estilhaço que berra

Grito no olhar que vai cegando

Desenho na corrente do meu corpo pedaço

Rasgo no céu o sonho de sonhar

Calem-se as cores de pintar

os amores por amar

as flores de enterrar

Falaria às pedras se eu fosse possível.


eugeniohenrique 22/11/2023

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

8_0 | 035

 vadias_páginas_


sinto que no tempo do sonho sonho no contra

do vento que vai páginas de água amor páginas

de outrora calçada íngreme em ventre de pele

poema em fervor arrepio silêncio no olhar meu

cegueira luminosa que a dor estremece 

sussurro macio na quentura dos braços que me aquece

árvores vadias pétalas em desmancho 

acontece no tempo do sonho em sonhar 

na aurora serei assim 

desenhos de água por desenhar

cantar no canto do acordar

nascerei de mim contigo amor 


eugeniohenrique 26/10/2023


domingo, 22 de outubro de 2023

traço_destraçado | 069

 sonoestreiteza


Na noite a janela abre-se dentro nas estrelas

Ensonado torço as palavras que estalam 

O brilho estreito vem no olhar dentro do limite 

Sussurro na penumbra e danço na cegueira 

O fio de luz enrola o tempo no meu colo

Estou no canto acocorado no latejar da ausência 

Há um traço mínimo que gira no solo que me tem

Trepo e nele tenho a surdez do canto maneira

De ser na noite que se abeira e me torce no peito

Quanto do espaço não tenho enrolado no manto

Debaixo da pele que pula em espanto

Exausto na solidão desenho linhas 

No corpo em dança no redanho das letras que trago

Travo no sono estreito a pronúncia do silêncio

Desamparo meu que desfia o fio do outono

A folha adormece no desenho e cai


eugeniohenrique  22/10/2023


sábado, 9 de setembro de 2023

traço_destraçado | 068

 aGostoGosto


Fervo no calor de todas as pessoas também

Ato-me do sono que me ensona em tarde quente

Pestanejo as palavras que quero em desenho

Trauteio nas fagulhas que aromatizam o sopro

Cresço no tronco dos pinheiros olhar o espaço

Brilham os verdes em dança lenta a rola vem

Bicando o ar e eu também

 eugeniohenrique  9/9/2023


sexta-feira, 4 de agosto de 2023

8_0 | 034

 Tontura em água salgada 


Tenho os pés molhados de solidão charco de ausência

Se ao menos o sol viesse seria cor

Se fosse cor o violeta o meu traria o aroma da primavera

A escada que se enrola até cima 

Sem ver já desenhei já te desenhei

De tanto ter na ausência

Afogo-me no charco

Caminho no escuro que nos ilumina 

A maresia acorre ao colo

Tenho queimor desenfreado

Tonto 

eugeniohenrique 3/8/2

terça-feira, 1 de agosto de 2023

traço_destraçado | 067

 Com sede


Despejo no interstício os chuviscos que me amaciam desfocado olhar venteia devagarinho e ando no canto do silêncio tanto quero o Franz deixa-se para mim na escrita que leio sofro de tontura que me acomoda a pele que estala cambaleio desolado no espaço do sono tenho sono dormindo no tempo adormecido em esfumado de cinzas a ponte cresce no movimento do olhar a passarada endoidece e eu leio em ferida o vazio sinto-me entranhado de palavras que voam com a passarada que passeia acima da ponte que se estica no pesadelo estou assim na dúvida que não deixarei de estar em tontura as folhas brilham em sinfonia lenta o aroma sopra quente respiro apressadamente em assobio vem até mim em dança trémula envaidecida nos brilhos que espanta bico atirado à quietude papo orgulhosamente empapado e eu aqui nas sombras desfraldadas em desassossego bulem desenhos infiltrados no andar sem tempo a tarde vai na luz que se perde para lá da ponte o canto do vento rodopia na pele chão da tontura ontem menos hoje mais vai e vem o puto será que tem palavras para palavrear como eu só ele pés na água eu com sede


eugeniohenrique 1/8/2023


——/:

sábado, 29 de julho de 2023

traço_destraçado | 066

 lucros e rentabilidade 

Acordado atordoado com os vencedores

Golpeiam como invasores em sulcos de dor 

Gingam em palcos de silicone o alimento

Indigesto sofrimento 

Milhares de milhões outros glutões 

Germinam em canteiros vermes daninhos 

A terra desmancha-se em covil de formigas

Engravatados artilheiros abastados

Tricotam no alimento a espessura do poder

Oleosas as palavras profetas roedores

Arquitetos de pontes manto o santo abraça 

Dorme menino dorme amanhã voltarás menino

Sem trapo sem pão 

Tens um amigo canino

Mastigas o poema 

Afortunado com nada

Esvazias o olhar 

Devagar 

Não entendes não importa

Morto de ti esventrado

Acocorado no templo fechado

Choras secas as lágrimas 

Que importam

As páginas que te aquecem

Emprancham o equilíbrio da tua desgraça 

Festim na barcaça que se penteia na vitória

Vences na ganância que desarrolhas 

Vences no teu leme acostumado

Vences os vencidos na plateia

Discursas no flash da desgraça 

Viveremos sem ti no poema 

Viveremos sem ti na dureza do pão

Viveremos sem ti no canto da liberdade

Viveremos sem ti no amasso de um beijo

De uma mão

Sem ti serei 

Esmagar-me-ei.


eugeniohenrique  29-07-2023 


quinta-feira, 27 de julho de 2023

traço_destraçado | 065

 Tontice_em_flor

A buganvília caiu para cá

A oliveira cresce e ampara a queda

Abro a janela para a passarada entrar

A luz acrescenta na finura dos cantos

O brilho foge em nuvens secas

Mais lá as paredes ressoam o ladrar de um só

O padre regressa às missas a velha sorri sem dentes

A buganvília sacode em abraço íntimo a vizinha 

Ensonado em preguiça alonga-se no toque macio

escapa no olhar inquieto saltitão felino 

O rio vai na dança 

Hoje outro hoje 

A escada rola vazia corpos domesticados gritaria

A máquina tritura o grão chinfrim 

Orelhas brancas brincos de fala 

Uma delas sacode-se de mala eco rolante 

Corpos embalados em licra esponjam 

Traços de gente febril sem queixume o gato ronrona 

A buganvília trepa a oliveira ambas

Todos como eu emparelhados nas nuvens

O brilho espreita e aquece mais a cor cores 

Viajo nos dias separo-me da buganvília que abraça 

O sol aperta o olhar a pele pestaneja em aguadas de sal

Salpico o vento de mim quanto do ar me toma eu tomo

Quanto do caminhar vou desenhar 

Outros dias hoje 

Venteia na luz quente vem da ria

Tempero o estar em sal pinguento urze

Espraio o desassossego em areia movediça leve

Gelam-se-me os pés na frieza da luz sombra

Dias esfumados riscados cadernos de escrita

Hoje

Aferrolho a luz que fissura a pele 

Conforto-me na silhueta das palavras que entreguei

Tropeço no escuro pestanejo o silêncio 

Não te pertenço pico-me na buganvília

Não há pingos de lá o rio abonança os abraços

Soltam-se os desejos em trepadeira espinhosa

Amanhã 

Levantarei o chão tomarei uma flor  

eugeniohenrique 27/7/2023


quarta-feira, 14 de junho de 2023

8_0 | 033

 nascernoventolento 


Trago no colo os dias que nascem no rio sonolento

Desenho nas linhas de água o sabor de acordar

Escuto na lonjura de mim afagos no tempo que trago

Pestanejo o silêncio que ondula em espaço mínimo 

Levantam-se nos interstícios da voz afundada tontura

Ritmos de pétalas que esvoaçam aroma de água salgada

Caminho de violetas adornam os dedos pianíssimos

Maresia pele macia canto sussurros leveza

Borboletas em pingos de ardor o sol estala fogo

Saio de mim outro vem em nascer no rio vento


eugeniohenrique 14/6//023


terça-feira, 9 de maio de 2023

traco_destraçado | 064

 picopicosarapico


corpos vadios picam no vento lento|tufos|arrufam em bulhas dançadas|coros de luz|grasnar de putos|nascidos no sol| chapinham em charcos de nuvens|olho o vazio do poeta | escrevo sobre tudo o que escrevo | rasuro | danço em linhas de escrita | umas sobre outras | vadias| todas tanto eu


eugeniohenrique  9/5/2023

segunda-feira, 24 de abril de 2023

r-a-m-o | 017

 Abrilme


Era puto rezava o terço cumpria com o dever de me sacrificar por outros que sempre desconheci outros próximos para lá estavam eram os familiares ricos enquanto orava com as viúvas uma era viúva de longe quase virgem outra não sei de quem viuvou o sermão aos inocentes arrepiava a fralda julgo que uma delas desfraldada abstinha-se e aliviava-se no quintal à noite em cama de palha lençóis de pureza branca engomava-me na vaidade de uma lindeza pontificada natividade era o colo da sacristia vendia bilhas que alimentavam as sopas de vinho cansado de trautear caminho a eira espreguiçava todas as orações carrapato carrapito caracóis caracolitos que lindo que era o soldado mandava em aerograma de seda será que os chineses se lembram disso lia  nos olhares a dor da ausência festa de partida trompetista e sirenes medalhados perenes barcos de reza terços terços e mais terços o barco partiu heróis do sermão e elas rezam e elas ensinam-me a rezar o postigo medieval enclausura a luz que teimava a ser de uma senhora que não cuidou dos seus filhos longe havia um dito quarto ocupado por leito emparedado para o loirinho não escapulir pecado de abandono penico metálico aguarda o alívio dos males que golpeiam o santíssimo sono ouvi dizer que a vizinha disse a outra vizinha e que o filho da outra partiu para a guerra há-de voltar de uma ou de outra maneira tremeu o terço enrolado nos  desejos aí valha-me no quintal corre em carreiro enxada água benta com bê de batata era sem cor a bata terilene engomada a gola de gente povo rezava para ir espreitar as meninas de bata preta gente fora do povo trinchado em mata de guerra inútil gloriosa procissão santinhos anjinhos em passo de medo trepavam barcos de bata cinzenta despiram-me em cena  mutilados do ser correm infestados de horror e a viúva e a não viúva mas so de contas em contas educam-me a ser português cegueira de vestes longas feias cabelos repuxados rua de jogo à bola e bois e funileiros e carteiros e conversa fiada rádio alto em limpeza que é preciso ir à missa eles estoirados em fumos negros salpicos de dor passa a procissão tiro certeiro o tambor é meu é festa de todos os santos o lourenco padroeiro na voz do lugar inteiro lavam-se as almas calçadas de flores amores que nunca virão escrita vá vazia perdida em cada braço datado em traço de nada soldado marcha em sineta de capela murmúrio enjoado tanto de mim quis deus fora assim o comboio burila em silvos e fumaças apitos carraças calções de bolsos castanhos camiseta de verde prensado as meias crescem até ao joelho dobra benze ai jesus que eles matam criancinhas que brincam em pé descalço rua com trilhos de bois que atrelam a rudeza pureza nudez do nada nada bosta que nutre a fragilidade a irmandade fujo de mim barcalhões  de gente que ainda brinca traçam em águas frias o poema da desgraça vêm de lá os tios ricos do café que nunca colheram roçar textos de catequese em nome um deus estilhaçado nos corpos que clamam um amor jamais tido fugi de mim vezes imensas vai brincar com os teus amigos não fiques aí sentado as vezes ia jogava na terra sujava a minha perfeição e queria ser eusebio sem a benção do padrinho  ( … )


eugeniohenrique    … , 24/4/2023